viernes, 23 de septiembre de 2016

A pessoa com deficiência na minha história de vida

O ENCONTRO COM PANCHITO

Nasci na Capital do Uruguai, Montevidéu, no ano de 1978.  Meu primeiro contato com uma pessoa deficiente foi na escola, quando tinha quatro anos. No início do “jardín de infantes”, primeira vez em uma escola, o contato direto com outras crianças é uma festa. Rapidamente a amizade acontece sem nenhuma dificuldade, ser criança é isso, amizade sem preconceitos nem medos. Nessa idade, todos somos iguais, mesmo identificando algumas mínimas diferenças, porém, nada impede que a felicidade de compartilhar jogos e brinquedos seja o mais relevante.
Nessa etapa crescemos muito rápido e a percepção dessas diferenças acontecem quando começamos a nos comparar. Até então, não tinha percebido que um dos coleguinhas não havia se desenvolvido como o resto das crianças, aliás, não era o único diferente nele, já que seus braços e pernas eram muito grossos e a sua cabeça maior do que o normal para a sua idade (ainda lembro, com sentimentos adversos, a maneira como eu tomei consciência do seu corpo, sua forma, e da estranha possibilidade de que alguém não fosse como o resto de nós).
É verdade que eu só tinha quatro anos, quase cinco, e que ainda estava tentando entender que “eu era eu”, os corpos dos adultos e as incríveis diferenças entre ser homem e mulher, no físico e nos comportamentos, incitados por uma sociedade machista. Os poucos, porém, marcantes avessos da socialização primária, já estavam incorporados no meu comportamento. Já era capaz de ter preconceitos e discriminar, mesmo que fosse por imitação e não por convicção. Foi assim que em uma reunião de pais, uma festinha do “jardín”, alguns adultos comentaram:
-“Como cresceram essas crianças, meu Deus! ”
-“Quase todas, porque o pobre Panchito...”, (risos).
Perguntei para a minha mãe o porquê do que estava acontecendo com o Pancho (Francisco), e ela me respondeu:
- O Pancho é anão. Os anões não crescem e é muito provável que não chegue a ser adulto, porque morrem muito jovens.
Aquela sincera e impressionante revelação da minha mãe deixou em mim uma forte impressão. Nesse momento eu esqueci por completo o que o Pancho tinha, seu corpo e as brincadeiras quando passava por debaixo das pernas da professora, quase sem dobrar os joelhos. A partir desse dia o Pancho foi meu melhor amigo, até o dia que o trocaram de escola.
Nunca mais tive notícias do Pancho. Lembro, já de adulto, que alguém da minha família comentou sobre a morte do anão, aquele que era o companheiro do Héctor na escola. Não foi uma surpresa, eu já sabia.  




 Foto do ano 1983. Panchito é o primeiro menino da terceira fila de cima para baixo (da esquerda para a direita da foto) Escola Pública do Uruguai.