O ENCONTRO COM PANCHITO
Nasci na Capital do Uruguai, Montevidéu, no
ano de 1978. Meu primeiro contato com uma pessoa deficiente foi na
escola, quando tinha quatro anos. No início do “jardín de infantes”, primeira
vez em uma escola, o contato direto com outras crianças é uma festa.
Rapidamente a amizade acontece sem nenhuma dificuldade, ser criança é isso,
amizade sem preconceitos nem medos. Nessa idade, todos somos iguais, mesmo
identificando algumas mínimas diferenças, porém, nada impede que a felicidade
de compartilhar jogos e brinquedos seja o mais relevante.
Nessa etapa crescemos muito rápido e a
percepção dessas diferenças acontecem quando começamos a nos comparar. Até
então, não tinha percebido que um dos coleguinhas não havia se desenvolvido
como o resto das crianças, aliás, não era o único diferente nele, já que seus
braços e pernas eram muito grossos e a sua cabeça maior do que o normal para a sua
idade (ainda lembro, com sentimentos adversos, a maneira como eu tomei consciência
do seu corpo, sua forma, e da estranha possibilidade de que alguém não fosse
como o resto de nós).
É verdade que eu só tinha quatro anos,
quase cinco, e que ainda estava tentando entender que “eu era eu”, os corpos
dos adultos e as incríveis diferenças entre ser homem e mulher, no físico e nos
comportamentos, incitados por uma sociedade machista. Os poucos, porém,
marcantes avessos da socialização primária, já estavam incorporados no meu
comportamento. Já era capaz de ter preconceitos e discriminar, mesmo que fosse
por imitação e não por convicção. Foi assim que em uma reunião de pais, uma
festinha do “jardín”, alguns adultos comentaram:
-“Como
cresceram essas crianças, meu Deus! ”
-“Quase
todas, porque o pobre Panchito...”, (risos).
Perguntei
para a minha mãe o porquê do que estava acontecendo com o Pancho (Francisco), e
ela me respondeu:
- O Pancho
é anão. Os anões não crescem e é muito provável que não chegue a ser adulto,
porque morrem muito jovens.
Aquela
sincera e impressionante revelação da minha mãe deixou em mim uma forte impressão.
Nesse momento eu esqueci por completo o que o Pancho tinha, seu corpo e as brincadeiras
quando passava por debaixo das pernas da professora, quase sem dobrar os
joelhos. A partir desse dia o Pancho foi meu melhor amigo, até o dia que o
trocaram de escola.
Nunca
mais tive notícias do Pancho. Lembro, já de adulto, que alguém da minha família
comentou sobre a morte do anão, aquele que era o companheiro do Héctor na
escola. Não foi uma surpresa, eu já sabia.
Foto do ano 1983. Panchito é o primeiro menino da terceira fila de cima para baixo (da esquerda para a direita da foto) Escola Pública do Uruguai.
Foto do ano 1983. Panchito é o primeiro menino da terceira fila de cima para baixo (da esquerda para a direita da foto) Escola Pública do Uruguai.